terça-feira, 20 de setembro de 2011

O sonho.

Eu sonhei que era feliz.
Feliz de um jeito diferente, quase pleno.
Uma borboleta pousou, e voou.
E pareceu pedir pra seguí-la.

Não sei quanto tempo durou
Não sei se foi sonho, sonhado
Mas ela veio e pousou
E me pediu pra segui-la.
E eu corri, fui atrás
E um belo tempo, acordei.

Eu tive um sonho feliz.
E quando acordei, doeu.



domingo, 11 de setembro de 2011

Poema de Fases.

Se me deito ao som do fim
Em lugar algum, no nada
Percebo passar por mim
A sisuda madrugada
Levando o sabor do sim
Deixando a boca salgada

E eu, que brilho não tenho
Nem cor, nem viço, nem alma
Perdi o desejo ferrenho
Pousei no colo da calma
Descolori o desenho
Tirei os sonhos da palma

E agora me faço risco
Singelo, sem ser notado
Às vezes surjo, arisco
N'um canto ermo, isolado
Vou fingindo que é um cisco
O olho lacrimejado

Então vem a febre, e cresce
O rosto avermelha morno
A lágrima transborda, desce
É a dor que tece o contorno
Não grito mais minha prece
Pro sol já paguei suborno

Depois o silêncio aflora
Preenchendo meu vazio
O tempo que voa agora
Tão cheio, causa arrepio
É a vida que vai embora
Rompendo o último fio

O medo me torna abrigo
O coração, a bater
Meu pensamento contigo
Suplica não te esquecer
E é desse jeito que eu sigo...

Minguando, até morrer.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Triste fim d'um jardim florido.



Na primeira vez em que a vi era dezembro, ela usava um vestido grená; saía da igreja carregando meia dúzia de lírios, acompanhada por sua irmã mais velha. Ela tinha um brilho nos olhos diferente de todos os outros brilhos que eu já vira.
Ao passar por mim instantaneamente percebeu meu olhar furtivo, hipnotizado por aquela beleza exótica, aqueles cachos que pareciam deitar-se ao chão e saltar ao céu.
Seu sorriso desabrochou e eu avermelhei.
Foi o começo de tudo.
Todas as manhãs, a partir daquele dia, ficava eu de espreita, esperando que ela colhesse rapidamente os lírios do canteiro a fim de decorar a igreja para as celebrações do fim do ano. E ela, raio de sol que era, não economizava sorrisos nem olhares. Nem brilho.
Era intenso sentir o que vinha crescendo dentro de mim por alguém da qual nem a voz conhecia. Estranhava e tentava apagar da lembrança qualquer pensamento que me levasse a, mais uma vez, me apaixonar por alguém, visto que já sofrera bastante por uma gama de amores não correspondidos e fotos rasgadas no final da tarde.
O fato é que eu não conseguia levantar do banco da praça e simplesmente me retirar sem que antes ela saísse serelepe a me brindar com sua luz, sua alegria, sua paz que de alguma forma habitava em mim silenciosamente – e crescia.
E surpreendi-me quando, de repente, ela me apareceu com um sonho de padaria. Perguntou-me se, por favor, poderia ajudá-la a segurar o buquê que carregava para que ela pudesse comer o doce.
Prontamente tomei as flores para mim e a vi comer o sonho, e sonhei a cada gesto, a cada vez que ela arrumava o cabelo atrás da orelha ou limpava o canto da boca.
Em um instante uma mistura de sensações invadiu-me como um redemoinho devasta o deserto. Aquele cheiro que o vento trazia dos seus cabelos, o suave som de sua voz me agradecendo infinitas vezes por permitir que ela degustasse o seu sonho, enquanto eu sonhava o meu.

Agora nos conhecíamos.


Entre uma mordida e outra, descobri que seu nome era Alice, que tinha 19 anos e gostava de céu azul e cachoeira e água correndo sob os pés. Pude perceber o romantismo e a doçura de quem trabalha por horas retirando a beleza de um jardim e transferindo-a para si mesma.
Precisei que ela acenasse envergonhada na frente dos meus olhos para cair em mim e responder ao seu agradecimento seguido de despedida.
O prazer é todo meu. Foi tudo o que eu consegui dizer enquanto a via se afastar, arrumando cada pétala que eu, desajeitado que sou, tirei do lugar.
A semana brincou de passar correndo e alguns dias depois me vi ao lado de Alice, colhendo com ela as flores e imaginando-as como adereço para seus cachos dourados.Ela também se viu encantada por mim e começamos a comer os mesmos doces e ver juntos o sol se por. Éramos um par feliz e planejávamos coisas para dali a cinco minutos, ou cem anos.
Conforme o ano findava-se, nossa relação ganhava uma dimensão maior, e maior.
Ceamos um ao lado do outro na noite de Natal, e no reveillon ela sugeriu que ficássemos até mais tarde na praia depois dos quinze minutos de cores no horizonte até onde a vista alcançava.
Janeiro transcorreu preguiçoso e nossos laços se estreitaram de acordo com nossas descobertas mútuas. Entendi porque ela pinga duas gotas de leite no café preto, o motivo pelo qual batizou a tartaruga de estimação de Arara e o motivo pelo qual ela escolheu uma tartaruga como bicho de estimação. E fi-la ficar sabendo que cortei o joelho num arbusto de espinhos tentando fita-la por um ângulo melhor. Ela sorriu ao descobrir que sou de gêmeos e ouço Caetano e me presenteou com um livro que narrava as aventuras de uma mulher em busca do auto-conhecimento, viajando pela Índia, Indonésia e Itália.
Vivemos situações divertidas e outras nem tanto, como aquela vez em que derramei mostarda na calça, numa tentativa vã de deixar o sanduíche ao meu gosto, ou quando a avó dela morreu, em maio, e precisei por dias enxugar suas lágrimas e até mesmo no dia dos namorados, quando mandei um grupo de jovens acorda-la em casa com uma serenata romântica e ela não estava em casa, pois tivera que dormir com a irmã que havia acabado de dar a luz.
O tempo brindou-nos com alegrias mil, algumas tristezas e contratempos e uma dose bem generosa de amor. Amor por cada erro, cada defeito. Amor por completo, e por completarmos um ao outro.
Uma espécie de conto de fadas moderno, onde as mensagens de texto no celular supriam um pouco da saudade que batia quando eu viajava ou nos feriados nos quais ela visitava o avô.
E o tempo, o mesmo que nos juntou, decidiu que havia cansado de nós.
Minhas horas pareciam esmagadas entre o amanhecer e a chegada da lua, eu não conseguia mais conciliar viagens de trabalho, família, amigos, faculdade, aula de inglês, academia e amor. Tudo estava bagunçado, revirado, às avessas.
Pequei por me estressar demais e descarregar em Alice aquilo que não cabia em mim. Ela passou a ser uma espécie de muro das lamentações, ouvindo atenta cada reclamação minha, cada xingamento dirigido ao filho-da-mãe que me ultrapassou no trânsito.
Aquilo foi pesado demais para minha flor.
E, em setembro, o final do inverno parece ter congelado algo em mim.
Não quis mais que as flores brotassem na primavera e decidi destampar o ralo que fazia a água correr sob nossos pés.
Foi o final de tudo.
Deixei que Alice partisse com o olho marejado, mesmo que brilhando, e virei as costas para qualquer resquício de felicidade desfrutada, de calor no começo da manhã e beijos carinhosos de boa noite.
Pisoteei o jardim.
Jardim que ela chamava de coração.
Estações sucederam-se, pessoas apareceram e sumiram, sonhos se realizaram, outros se tornaram pesadelos.
E eu amarguei minha decisão por três longos anos.
Semana passada, lembrei de Alice.
Revirei meus armários tentando encontrar seu telefone ou seu novo endereço. Nada constava no meu amontoado de folhas secas e pó.
Viajei ontem até sua nova cidade e foi então que me dei conta do quão idiota fui.
Só ali fiquei certo de que a única coisa que aprendi com todas as minhas decepções amorosas foi a me comportar como todas aquelas pessoas que me feriram, a ser rude, insensível e cruel.
Lembrei das lágrimas que rolaram dos olhos de Alice por minha causa e doeu como uma punhalada no peito.
Recordei cada momento e revivi todas aquelas sensações maravilhosas proporcionadas por ela e engoli a seco.
Não me fiz perceber naquela multidão de pessoas; baixei a cabeça, dei meia volta e cada segundo de ternura vivido pareceu esvair-se de mim, e todos os pedaços do homem maravilhoso que Alice me fazia ser se transformaram em cacos de vidro, em pétalas amassadas. Eu tive convicção de que não a veria mais.
Na última vez em que a vi, ela usava um vestido branco; entrava na igreja com um buquê de lírios, acompanhada pelo seu pai. Tinha nos olhos aquele mesmo brilho, diferente de qualquer brilho que eu já tenha visto e mais intenso que qualquer estrela que um dia eu possa ver.
Estava linda, como sempre, e feliz.
Feliz por estar dando passos emocionados ao futuro, passos certos.
Radiante em sonhar com crianças correndo no jardim florido, com um banho demorado de cachoeira e com café quentinho pingado com duas gotas de leite todas as manhãs.
Estonteante em saber que teria ao seu lado alguém com quem poderia desabafar sem parecer um estorvo, um homem que a entendesse e que não descarregasse nela um punhado de energias negativas todas as vezes que se atrasasse para o futebol.
Ela estava definitivamente feliz.
E alguém a esperava no altar.
Alguém que não era eu.